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Uma situação de crise a vários níveis: político (“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra”); crise de valores morais (“Ninguém sabe que coisa quer,/ (...) nem o que é mal, nem o que é bem”); crise de identidade ("ninguém conhece que alma tem"). A situação é, portanto, de incerteza e de indefinição. "Ó Portugal, hoje és nevoeiro... ", conclui o sujeito poético. No entanto, e apesar desta constatação, não deixa de lançar o desafio: "É a hora! "
Simplesmente hilariante. De leitura obrigatória para os que queiram ser seduzidos pelo dom de fazer rir.
A crítica política e social, por vezes mordaz e sempre demolidora, que aqui se faz, pode estar, nalguns dos seus aspectos, datada: é a sociedade portuguesa do século XIX e não a dos nossos dias (não será, afinal?) que os autores predominantemente analisam. Mas esta obra é acima de tudo um portentoso exercício de humor satírico. E nesta óptica, é intemporal.
Primeiro escrita para ser usada como peça teatral e depois passada a livro, a Viagem à roda da Parvónia suscitou uma das mais tumultuosas contestações de que há memória. Disse Antero de Quental, a este propósito: "O público protestou contra a caricatura, provavelmente porque se viu nela.Com efeito ,se esse público aplaudisse o quadro da própria ignomínia,que lhe era apresentado,seria além de tudo o mais,cínico.Não o é,toma-se ainda a sério.Pode ser que às vezes,em momentos raros de lucidez relativa,desconfie de que é tolo.Mas não o reconhece e não admite que lho digam.É um sintoma de que desorganização não ataca ainda o intímo do ser.Prova que a corrupção idiota da sociedade de Lisboa é mais o resultado lastimável de condições externas,do que de uma perversão intima e expontânea.Depois o riso é um dissolvente,não é um remédio.O riso amolece,relaxa e acaba por tornar imbecis aqueles mesmos que o empregam contra a imbecilidade alheia.Quando um povo chega a rir-se de si próprio é porque perdeu uma boa parte,senão a melhor parte,da sua virtude colectiva.Tornou-se talvez mais gentil,mas os povos gentis estão muito longe de serem os povos fortes.Receio um tanto que a espirituosa purée de epigramas e ditos venha mais tarde,daqui por alguns anos,a reconhecer-se pouco substancial e até causadora de certa anemia moral.Se há gangrena nesse corpo social(sociedade de Lisboa),e tantos sintomas rapidamente acumulados o estão denunciando,é o cautério,é o ferro em brasa que convém aplicar-lhe,e rudemente,firmamente,porque se não brinca com a gangrena."(Antero de Quental em 1879)
“A estreia da Viagem à roda da Parvónia na noite de 17 de Janeiro de 1879 foi muito provavelmente a mais tumultuosa da história lisbonense do teatro declamado no último quartel de Oitocentos. A representação chegou ao fim, mas tão ponteada de acidentes, com tanta pateada (a única na carreira do velho actor Taborda), tanto espatifar de cadeiras, que a proibição policial, se não viesse logo, justificar-se-ia ao segundo ou ao terceiro espectáculos, por afrontamentos mais graves”, assinalava Pedro da Silveira, o amigo e biógrafo de Guilherme de Azevedo, no prefácio a esta peça que continua até hoje a ser encenada.