Há-de escrever-se um dia a História de tudo isto.Hão-de vir a terreiro,de baraço ao pescoço,estes medíocres,estes vendidos,estes cobardes,estes traidores,que tu,Manuel,Manuel de Portugal,tens retratado,apontado,chibatado na praça pública,com uma coragem ímpar,uma lucidez terrível,um incomparável rigor histórico.
Nesse dia,nesse dia inevitável,ai de vós,efémeros garotelhos irresponsáveis que ousaram brincar com nove séculos de História,de suores e lágrimas,de dores e sacrifícios,de sonhos e glórias,ai de vós,medíocres cobardes transitórios,porque as crónicas de Manuel de Portugal,camponês da serra,semeador de planícies,nauta de naus,pescador,marinheiro,soldado,funcionário público,professor,operário,engenheiro,arquitecto,médico,assalariado,tarefeiro,emigrante,português de Portugal,ai de vós quando as crónicas de Manuel de Portugal,filho e neto de portugueses,nascido em Guimarães,rei-povo de aquém e além mar,vos der a matéria essencial,a prova-crime da vossa abdicação,da vossa miséria,da vossa cobardia,da vossa traição.
Ternura pelos deserdados da sorte,pelos fracos,pelos humilhados e ofendidos;um profundo sentido das raízes telúricas que nos justificam como Povo,como Pátria,como Razão e Verdade;uma ironia até onde a ironia pode ser amarga e dolorosa;uma raiva por tanto desvario,por tanta vergonha,por tantas palavras ocas,vazias,demagógicas;uma dulcíssima compreensão,toda feita raiz,tronco,flor e fruto;e esse sentimento ancestral,de novecentos anos de origem,místico,heróico,caldeado por ventos e marés,transcendente sonho continuamente sonhado--ou a glória ou a morte.
Aí vão,à consciência de todos nós,as crónicas e cartas de Manuel de Portugal.
Lisboa,17 de Março de 1976,do Prefácio ao livro "Crónicas e Cartas de Manuel de Portugal".
Porque Escrevo?
Escrevo porque trago em mim uma ânsia incontida de Liberdade e de Vida.(Fascismos de Esquerda,ou de Direita,a ambos abomino por igual).
Foi o 25 de Abril como uma trombeta a demolir todos os Muros da Indignidade,da Prepotência,da Injustiça que afrontavam o Povo de Portugal.Acreditei na sublime missão de Resgate da Pátria a que,aparentemente,se haviam votado os jovens capitães do nosso Exército.Mas se,imediatamente,aderi ao Movimento das Forças Armadas,cedo me desiludi das suas intenções.À ditadura deposta sobrepunha-se outra de mais feroz cariz.
Escrevo para que me ouçam os portugueses de Portugal,aqueles que sempre põem os interesses da Pátria acima das ordens e dos interesses do Partido.
Escrevo para todos os que extravasam da alma a sede infinita de Liberdade e por terem nascido homens e mulheres livres não dobrarão a cerviz para se tornarem escravos de quem quer que seja.
Por isso escrevo.
Manuel de Portugal,16 Janeiro de 1976 in "Crónicas e Cartas de Manuel de Portugal".
Falar Claro
Sinto-me na obrigação para com os Leitores deste Jornal de falar claro,ontem,hoje,amanhã e sempre.Habituado à Verdade fui,à Verdade vos habituei.Por isso escrevo no "Tempo".Porque,como eu próprio,se situa num plano independente.E é na corajosa independência deste semanário e na minha própria independência que reside o motor da Verdade que nestas páginas busca o Leitor que nos lê.
Importante e dura irá ser a Campanha Eleitoral.
Tentará cada um por seu lado,com todas as forças,captar os votos dos menos esclarecidos,dos indecisos,
dos sentimentais da Política.Acima de tudo e acima de todos está a minha veneração pelo Povo de quem sou filho e igual,mas não teórico da verborreia fácil,de muito falar e pouco saber.Por isso,para além dos que me ameaçam,para além dos que pretendem me ofender,não me calarei jamais.É a falar claro que o Povo me entende.É a falar claro que transborda de mim a raiva política com que atacarei quem mente,quem deturpa,quem manobra ou quem pretende enganar este Povo que sou.
A Nação-o País mais o Povo-caminha para onde ele próprio quiser.Para a Esquerda,para o Centro,para a Direita,talvez.Haverá Socialismo se o Zé Nabo quiser,multiplicado por milhões de Zés Nabo.O rumo da Pátria está no leme do patrão Lopes do Povo(assim é a Democracia)e não nos desmandos apatetados do senhor Vasco Gonçalves da Mais Triste Memória.Se os Partidos desejam que o Povo os respeite terão que começar por respeitar o Povo.Portugal é grande demais para aceitar políticos louvaminheiros ou polítiqueiros louvaminhas,bajulices graxantes,utopias fáceis que se acabam,sempre,por pagar bem caras.
Temos a prova provada.
Manuel de Portugal,27 Fevereiro 1976 no jornal "Tempo".
Portanto,Mário,o Povo...
O partido Socialista sofre de dois males graves,a nível internacional: incoerência e ambiguidade.A incoerência do PS-para além de uma falta grave de clarificação ideológica-situa-se no continúo apregoar-se Marxista(75/6),mas namorar descaradamente as Sociais-democracias europeias.É muito possível que, quando este livro começar a circular,o PS tenha já feito uma inflexão para a direita,alinhando pelo deslize acelerado da Nação contra o sentido histórico da Esquerda.A Esquerda,para o Portugal de hoje(75/6),é o caos económico,é a miserável Descolonização Exemplar,é o desemprego,a inflação,a Miséria e a Fome.
Na época do Gonçalvismo o PS representava a Liberdade ante a opressão.Mas os tempos mudaram.As pessoas querem saber o que na realidade representa o PS.E perguntam: Qual o País onde está a funcionar a sociedade que nos propõe?Não existe.
A sorte do Mário Soares é a palavra Socialismo ser mesmo linda.Há palavras que nos fazem sonhar e criam-nos ilusões,sempre perigosas,de que despertamos com a sensação frustrante de que a realidade é mil vezes pior.O Leitor socialista,militante,simpatizante ou simples votante,poderá pensar que estou a escrever para si e hoje(76).Engana-se.Lembre-se,de mim,daqui a dez anos.Já cá não estarei.Mas talvez me venha a dar razão...
Em 14 de Março 1976 in Crónicas e Cartas de Manuel de Portugal
Últimas páginas
Salda-se aqui,nas derradeiras páginas,o trágico balanço da penúltima revolução ocorrida em Portugal,a de Abril de 1974.
Quanto a nós,para além dos crimes desse cadáver político do Gonçalvismo,e da passividade colaborante do Costagomismo,para além da pelintra vergonha de empenharmos o ouro para sobreviver,do País em saldo,da miséria esmolante de andarem os responsáveis do Governo a estender a mão à caridade internacional,o saldo negativo cifra-se numa formula conclusiva,simples e desanimadora: a Falência da Revolução.
Acordem,pois,os portugueses de Portugal.Ou implantamos,no mais curto prazo de tempo,uma Democracia a funcionar,ou viveremos o resto das nossas vidas na tristeza ruminante do remorso de suportarmos outra vil Ditadura qualquer.---Manuel de Portugal nas Crónicas e Cartas de Manuel de Portugal(livro de 1976)---O autor dessas crónicas escrevia sob esse pseudónimo para o jornal "Tempo" em 1975/6.
Nota do blog: Tal como em 1975 também vivemos agora num Prec(agora não comunista mas de suposto cariz neoliberal e conduzido por gente corrupta e incompetente sob o nome de "social-democracia" e "demo-cracia cristã")e certamente que o autor das Crónicas e Cartas teria muito que dizer hoje em novas crónicas.